23/12/2003
Vinte e sete anos depois de Fantasia (1940), a excepcional mistura de desenho animado e música clássica levada às telas por Walt Disney, a Itália formulou sua própria versão da mesma receita. Dirigida por Bruno Bozzetto e Maurizio Nichetti (de Ladrões de Sabonete e Volere, Volare), esta produção convoca um espírito infinitamente mais anárquico, provocativo e erótico do que o clássico da Disney. Por isso mesmo, quem se despir de preconceitos, terá prazer em descobrir (ou rever) a grande criatividade da animação italiana naquela época (1977).
São seis peças musicais. A primeira, de Claude Debussy, embala as aventuras de um velho fauno, correndo atrás de belas ninfas nuas, mas não conseguindo realizar suas fantasias, por mais que tente melhorar sua aparência e disfarçar os efeitos perversos do envelhecimento. Uma das seqüências mais imaginativas mostra uma espécie de balé da evolução, desencadeado a partir do abandono de uma garrafa de coca-cola no chão, tudo isso ao som do Bolero, de Ravel. A mais comovente é, com certeza, a que acompanha os devaneios de um gato abandonado nas ruínas de uma casa, bombardeada por uma guerra qualquer, e que remetem a tempos mais felizes, quando a família que o abrigava vivia ali - com trilha da Valsa Triste, de Sibelius.Mas têm sua graça as seqüências que mostram os contratempos de uma abelhinha dona-de-casa tentando pôr a mesa no mesmo campo onde um casal apaixonado rola pela relva, fazendo amor (ao som de um concerto de Vivaldi). O Pássaro de Fogo, de Stravinsky, dá a moldura musical do segmento que conta o episódio bíblico da criação do homem e da mulher, com a indispensável participação da serpente.O único senão está nas cenas ao vivo, intercalando os desenhos com as trapalhadas de uma orquestra de velhinhas regida por um maestro tirânico (o próprio Bozzetto). Bastante datadas e no estilo pastelão, estas intervenções são totalmente dispensáveis. Mas os desenhos, criados pelo próprio Bozzetto e auxiliares, valem a visita.Neusa Barbosa