Amadi, um jovem nigeriano, acha em São Paulo as pistas para reencontrar seu irmão mais velho, Ikenna, que há muito não entra em contato com a família. Hospedado na casa de um tio, Amadi começa a desvendar um mundo de mitologias que o irmão criou a seu próprio respeito.
18/11/2020
Em seu primeiro filme ficcional - depois de dois documentários, A Vida Privada dos Hipopótamos e Ela Sonhou que eu Morri -, o diretor Matias Mariani compõe uma espécie de thriller existencial, em torno de dois irmãos nigerianos, Ikenna e Amadi. Ikenna (Chukwudi Iwuji) sumiu no mundo e o irmão menor, Amadi (OC Ukeje), que assumiu com a mãe a missão de procurá-lo, resolve seguir sua pista do outro lado do mundo, em São Paulo.
A partir dessa busca, a história estabelece como seu fio uma redefinição não só de geografias, como de identidades, que se aproximam e repelem ao mesmo tempo. Ikenna é o primogênito e, segundo a tradição de sua cultura, tem que assumir certos papeis para os quais supostamente Amadi não está talhado. Amadi, por sua vez, será confrontado o tempo todo pela figura fantasmagórica deste irmão perdido, cuja trajetória está obscurecida por mitos que Amadi irá pouco a pouco desmontando.
Abrigado na casa de um tio (Ike Barry), há anos radicado em São Paulo, Amadi vai descobrir a cidade por seu centro velho, cujas paisagens tornam-se também sinais para uma identificação. O tio tem um salão de cabeleireiro e negocia implantes de cabelo real na Galeria Presidente, que se torna um cenário de entrada para este país ainda desconhecido do recém-chegado através de seus habitantes, muitos deles imigrantes como ele.
Amadi procura o irmão, supostamente um professor de uma certa Covenant University, que logo descobre não existir no endereço fornecido. Pouco a pouco, Amadi traça os caminhos de Ikenna como um personagem que parece estar apagando suas pegadas e procurando não ser encontrado. Mas deixou vestígios, revelados por pessoas que o conheceram, como a manicure Emília (Indira Nascimento) e um apostador no Jockey Clube, Miro (Paulo André) - que o conheceu com o nome de Charlie.
Perdido nesta cidade estrangeira, premido pela dessintonia linguística, Amadi deve inscrever também seu corpo e vontades num novo espaço, buscando também liberar-se de resquícios negativos de sua ancestralidade, como uma suposta maldição herdada de uma bisavó. O filme é, então, feito dessa busca, do resgate da figura de um irmão que não se deixa conhecer, assombrado por suas próprias obsessões científicas e numerológicas, num trajeto nem sempre claro para quem tenta acompanhar. No meio de tudo, o mistério de existir, de voar, pousando onde for possível.
Neusa Barbosa