Benjamin é um jovem palhaço que viveu a vida toda no circo de seu pai. Porém, um dia resolve abandonar a trupe e conhecer o mundo. Nessa jornada, descobrir a si mesmo é mais importante ainda.
26/10/2011
Em seu segundo longa como diretor, O palhaço, Selton Mello é um diretor em evolução. A sua estreia, Feliz Natal (2008), era um filme repleto de citações, a constante busca de um diálogo com seus prováveis ídolos – especialmente John Cassavetes – com uma narrativa que se encerrava num universo quase asfixiante no qual personagens desesperados buscavam sua salvação, e quase nunca encontravam.
O novo longa, que estreia em circuito nacional, caminha por outros rumos – e isso mostra traços de um diretor que deixa de lado citações, diálogos e cresce por si só. Não é difícil encontrar ecos de outros cineastas em O palhaço. Pode-se ver Fellini, num filme que beira o onírico, pisca para o bizarro, mas se encerra no realismo. E até Wes Anderson – especialmente seus Tenenbaums – numa família de gente estranha, todas com seus talentos e (auto)incompreensões. Mas esses e outros diálogos vêm de quem assiste ao filme, pois Selton fez um longa que tem vida própria.
Aqui, ele está em jornada tripla. Além de dirigir, atua e é responsável pelo roteiro, coescrito por Marcelo Vindicatto. Àqueles que acusam Selton de se repetir no cinema – uma espécie de personagem de si mesmo -, O palhaço é a prova de seu talento. Dirigindo a si mesmo, o ator é capaz de se reinventar num personagem que foge de qualquer coisa que já o vimos fazer antes. Isso se dá especialmente porque ele tem ao seu lado o grande Paulo José num personagem daqueles maiores que a vida, que ameaça tomar o filme para si. Mas o diretor encontra o equilíbrio e é gratificante assistir a dupla em ação.
Paulo e Selton são pai e filho, e também uma dupla de palhaços, com nomes artísticos de Puro Sangue e Pangaré. O rapaz, cujo nome de batismo é Benjamim, parece não ter conhecido uma vida que não fosse essa do circo. Ser palhaço, pensa ele, não foi sua escolha, foi uma consequência da vida. Por isso mesmo, quando surge uma rebeldia adolescente tardia ele quer cair no mundo. Descobrir o que há além da tenda do circo é descobrir a si mesmo, é mergulhar nas oportunidades, correr riscos e ganhar as conquistas. Porque até então a vida de Benjamin não lhe pertencia.
Para qualquer personagem, seja no cinema ou na literatura, obter sua independência é uma viagem, que pode ganhar tons metafóricos. Em O palhaço, o protagonista cai no mundo em busca de um ventilador e um amor. Desculpas bobas, o que ele quer mesmo é encontrar sozinho sua identidade. Fazer essa viagem é abrir mão do velho para abraçar ao novo. O palhaço perde o circo para ganhar o mundo.
Personagens estranhos cruzam o caminho de Benjamim. Eles são a prova de que de perto, ninguém é normal. Eles também são a oportunidade que Selton encontrou para resgatar e homenagear ídolos de sua infância. Entram em cena o ex-garoto-propaganda Ferrugem, como um atendente de uma prefeitura; o eterno Zé Bonitinho, Jorge Loredo; e Moacyr Franco, cujo personagem domina sua única cena de tal forma que o ator saiu do Festival de Paulínia com o prêmio de melhor coadjuvante, em julho passado. O filme, aliás, saiu do Festival com prêmios de roteiro, figurino e de diretor.
É possível até fazer um paralelo entre Selton e Benjamim. Selton precisou se tornar diretor para se reinventar como ator – fazendo muito bem as duas funções. Benjamim precisa sair do centro do picadeiro para descobrir o seu verdadeiro lugar. Numa jornada, o ponto de partida é tão importante quanto o de chegada.
Alysson Oliveira