Em Milão, os Recchi são uma família rica e respeitada, dona de uma indústria têxtil. Eles vão viver grande instabilidade, depois que o patriarca entrega a dois parentes, o filho Tancredi e o neto, Edoardo, o comando do negócio. Logo depois, a mulher de Tancredi, Emma, vive um romance proibido com o amigo de um de seus filhos.
12/08/2011
Há um clima de Luchino Visconti em Um Sonho de Amor, drama de Luca Guadagnino. E começa no local da história, a Milão onde o elegante diretor de Rocco e seus irmãos (1960) e O Leopardo (1963) nasceu, viveu e trabalhou.
Há várias outras homenagens explícitas de Guadagnino ao mestre milanês – como a presença de Marisa Berenson (atriz de Morte em Veneza) e de membros de sua família, os nobres Di Modrone, no elenco.
A melhor parte é que Guadagnino, um diretor até aqui pouco conhecido – no Brasil teve lançado
100 Escovadas antes de dormir (2005) – faz justiça à ambição que se espera deste nível de homenagem. E realiza um filme elegante e denso, que foi indicado, em 2011, ao Oscar de figurino.
Numa grande mansão em Milão, vive o clã Recchi, de ricos industriais têxteis. Os Recchi vivem o momento delicado de uma sucessão. O velho patriarca (Gabriele Ferzetti) termina por indicar dois substitutos na condução do negócio da família, o filho Tancredi (Pippo Delbono) e o neto Edoardo (Flavio Parenti).
O jantar de aniversário em que o avô anuncia sua decisão torna a enorme casa e seu funcionamento tão personagens do filme quanto a família que a habita. Há uma engrenagem imensa e multifacetada, liderada nos bastidores por uma matriarca incansável, Emma (Tilda Swinton), a mulher de Tancredi.
Discreta e dedicada, Emma fala pouco mas é onipresente para que nenhum detalhe escape ao controle. Ela é essencial à felicidade de seus homens – o marido e os dois filhos, que, apesar de adultos, são tratados como mimadas crianças. No entanto, parece apagar-se, inclusive nas cores e no talhe do figurino, não fazendo notar seus sentimentos. Ela é a base de uma estrutura que não domina e parece não aspirar mais do que a satisfazer seus senhores.
Esse mundo ordenado e plácido começa a rachar justamente nesse aniversário. É quando irrompe na vida dos Recchi a figura de Antonio (Edoardo Gabbriellini), um jovem chef de cozinha que ganhou uma corrida de Edoardo e tornou-se, ironicamente, um de seus melhores amigos.
Edoardo torna-se sócio de Antonio num restaurante em San Remo, onde o jovem chef testa suas receitas. Numa visita ao novo negócio do filho, Emma descobre sabores que parece nunca ter experimentado. A dureza da mulher de gelo quebra-se para sempre.
A fotografia de Yorick Le Saux (da minissérie
Carlos) nunca deixa por menos na delicada construção dos climas amorosos cada vez mais quentes entre Emma e Antonio – uma cena que retrata os dois no campo remete a
Lady Chatterley, o filme da francesa Pascale Ferran inspirado em D. H. Lawrence, aliás, uma referência implícita no roteiro, assinado por Guadagnino, Barbara Alberti, Ivan Cotroneo e Walter Fasano (este, também montador).
A natureza da paixão de Emma pelo amigo do filho é por demais disruptiva para se imaginar um final feliz. Apesar de sua inequívoca vocação para a tragédia em grande estilo, no entanto, o filme sustenta um notável equilíbrio dramático que permite sorver cada momento do embate entre razão e emoção que explode no coração de Emma.
No centro de tudo está a presença carismática de Tilda Swinton, uma atriz em plena maturidade que desdobra cada minúcia de suas personagens com tal riqueza de camadas que se torna um prazer enorme acompanhá-la. Ela brilha impecavelmente aqui, como em outro filme inédito no Brasil, We Need to Talk About Kevin, como a mãe de um adolescente serial killer. Espera-se que o filme de Lynne Ramsay chegue às telas brasileiras. Um Sonho de Amor demorou mas felizmente chegou.
Outra figura marcante no elenco feminino é da atriz Alba Rohrwacher – conhecida no Brasil por filmes como
Meu irmão é filho único e
Que mais posso querer. Aqui ela interpreta Elisabetta, a única filha de Emma, uma jovem tímida e ignorada pelo clã, que experimenta um despertar paralelo ao da mãe, só que num caso homossexual.
Neusa Barbosa