Ree tem apenas 17 anos mas cuida de toda a família - mãe doente, dois irmãos pequenos -, já que o pai costuma sumir. Desta vez, ela vai ter de encontrá-lo, porque a casa da família foi dada como garantia de uma fiança para soltá-lo. Se ele não voltar, eles perdem a casa.
26/01/2011
Bem cedo em sua carreira precoce, a atriz Jennifer Lawrence começou a conquistar premiações. Em 2008, com apenas 18 anos, ganhou o troféu Marcello Mastroianni – destinado a jovens atores – no Festival de Veneza, por sua performance em
Vidas que se cruzam, de Guillermo Arriaga.
Dois anos depois, ela se transforma na melhor aposta feminina de sua geração a bordo de outro drama, Inverno da Alma, que vem colecionando prêmios desde sua première, no festival de Sundance de 2010, e acaba de conquistar quatro indicações ao Oscar – melhor filme, roteiro adaptado, ator coadjuvante (John Hawkes) e atriz, para Jennifer.
É pena que ela dispute este Oscar justamente num ano em que tem pela frente Natalie Portman, a franca favorita pelo drama Cisne Negro (que estreia no Brasil dia 4 de fevereiro). Mesmo que não vença, Jennifer não passará despercebida. Ela é a principal, mesmo que não seja a única, razão para grudar os olhos na tela e não perder um minuto deste drama humanista e envolvente, que foi montado pelo brasileiro Affonso Gonçalves, que começa a fazer carreira internacional.
Na pele de Ree Dolly, garota de 17 anos responsável por uma família, Jennifer se torna imediatamente objeto de simpatia. Esconde sua beleza atrás de um rosto triste e duro, pelo qual passam poucos sorrisos, o corpo magro envolto em roupas largas e puídas, transformando-se num elemento natural da paisagem desolada da região montanhosa de Ozark, sudoeste do Missouri.
Um sentido ético move esta adolescente – o cuidado dos dois irmãos menores e da mãe, que perdeu a razão há muito tempo. O pai, Jessup, é um ausente e um problema. Envolvido na fabricação caseira de drogas, foi preso e deu a casa da família como garantia no financiamento de sua fiança. Depois disso, mais uma vez desapareceu. Agora, o relógio corre e o xerife Baskin (Garret Dillahunt) avisa Ree que, se ele não se apresentar no dia marcado, a casa será tomada.
Sobrevivendo de um parco seguro social que não garante nem a comida aos seus, forçando-a a aceitar caridade de vizinhos, Ree se desespera. Não tem outra alternativa, no entanto, que assumir o encargo de caçar o pai, seguindo pistas de sua rotina, na casa de ex-amantes e parentes. Como o irmão dele, Teardrop (John Hawkes), que a trata com uma violência que sinaliza o que vem por aí. Os outros parentes são muito piores.
Ao assinalar para sua heroína um calvário calcado de mistérios, subentendidos e o enfrentamento da lei do silêncio que vigora num clã criminoso, o filme de Debra Granik cria um suspense sinistro com perigos bem realistas. A atmosfera escura e sufocante da região, em que uma das poucas alternativas profissionais para jovens está no alistamento militar, evidencia a crise econômica que, naquele lugar, é crônica.
Pressionada pela urgência de sua procura, Ree não encontra alívio nem nas instituições, nem em seu clã disfuncional, em que parece ter se esgotado toda a reserva de decência e fraternidade. Que espécie de lei do cão governa esta família de chacais? Diante de seus golpes, alguns bem literais, Ree parece renovar sua coragem, nutrindo-se da própria falta de escolhas. Por conta da inegociável legitimidade de sua luta, torcemos por essa heroína incorruptível e frágil que tem lida com um arsenal quase infinito de desvantagens. Por trás dos quais, ironicamente, vislumbra-se que ela tem uma chance. Aconteça o que acontecer, o filme já entrou debaixo da pele irresistivelmente, há muito tempo.
Neusa Barbosa