Crítico de teatro, colunista de dois dos maiores jornais do país, comentarista de televisão, Paulo Francis (1930-1997) colecionou amigos e inimigos e levantou polêmicas por suas críticas ácidas contra tudo e contra todos. Este documentário, feito por um amigo, relembra fatos de sua vida.
04/01/2010
Jornalista de formação, Nelson Hoineff tornou-se cineasta em 2006, quando assinou o documentário O Homem Pode Voar, sobre o pioneiro da aviação, Santos Dumont. Depois disso, especializou-se em filmes sobre temas e personalidades polêmicas. O primeiro deles, Caro Francis, sobre o jornalista Paulo Francis (1930-1997), somente agora chega aos cinemas. Antes dele, foi lançado outro trabalho na verdade finalizado depois, Alô, Alô, Terezinha, sobre o apresentador Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
Crítico de teatro e colunista dos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, depois comentarista de televisão, Francis colecionou inimigos ao longo da vida por uma disposição para alfinetar tudo e todos sem meias palavras, nem respeitar limites pessoais ou profissionais. Se fosse boxeador, seria daqueles que disferem golpes abaixo da cintura. E ele os distribuía generosamente aos seus desafetos da área política e artística, não raro expressando seus próprios preconceitos de forma veemente. Como quando assegurava, em 1989, que, caso Lula ganhasse a presidência, “o Brasil voltaria para o tempo do carro de bois” e que se deveria votar em Fernando Collor de Mello porque era “branco como nós”. Ou quando garantia, sem qualquer possibilidade de conhecimento de causa, que as mulheres só usavam absorventes internos por terem “nojo da menstruação”.
Alguns consideravam este estilo agressivo um sinal de independência e pensamento original. Outros o julgavam irresponsável – como ele foi, efetivamente, ao fazer acusações que não podia provar contra a Petrobras. Francis dizia na TV que a diretoria da Petrobras “punha dinheiro na Suíça” e era “a maior quadrilha que já existiu no Brasil”. Em resposta, o então presidente da empresa, Joel Rennó, processou-o em Nova York, numa ação em que o pedido de indenização alcançava US$ 100 milhões.
Hoineff tem um problema sério para abordar este personagem, inegavelmente um bom tema para um documentário: é, declaradamente, amigo de Francis e isto interfere além do que seria razoável na condução do filme. Nitidamente parcial, Hoineff compra a tese de que a ação movida pelo presidente da Petrobras “matou” Francis – além de insinuar má conduta do médico do jornalista, ouvido no filme. E, suprema falta de ética deste documentarista, não respeita a vontade do presidente da Petrobras de não falar sobre o caso. Assim, deixa ligado um microfone enquanto os dois conversavam por telefone e usa este áudio no filme. Em debate no Festival de Paulínia, em julho de 2009, o próprio Hoineff admitiu ter feito isto sem o conhecimento de Rennó, que não quis dar-lhe entrevista.
Tomando nitidamente o partido de seu amigo morto, Hoineff também edita de forma maldosa a entrevista concedida por Caio Túlio Costa, ex-secretário de redação da Folha de S. Paulo que manteve uma disputa com Francis que, em vingança, o chamou de “lagartixa”, entre outras coisas. A briga causou a saída de Francis do jornal. Polêmico como foi o jornalista, o documentário não encontra lugar para os seus críticos, apenas para os seus amigos, admiradores e candidatos a substitutos na imprensa nacional, caso de Daniel Piza e Diogo Mainardi.
Quem não conheceu Francis, não pode realmente avaliar quem foi e o papel que exerceu na imprensa brasileira a partir deste documentário. Quem o conheceu – meu caso -, tem tudo para se sentir enganado e lamentar a oportunidade perdida de discutir seriamente o tipo de jornalismo praticado por ele, que deixou frutos altamente negativos. Caro Francis é um filme parcial e desonesto, que não poupa nem mesmo a viúva de Francis, a jornalista Sonia Nolasco, de uma exposição imperdoável – levando-a às lágrimas quando o diretor a induz a ler diante das câmeras uma carta que ela mesma lhe enviou, anos atrás, sobre a morte de uma de suas gatas. Como suposto amigo de Sonia, Hoineff bem podia tê-la respeitado mais. Mas respeito não parece ser sua especialidade, bem como não era a do aqui biografado.
Neusa Barbosa