Um grupo de sapos profetiza que choverá por 40 dias e 40 noites. Em meio a esse dilúvio, sobram dois adultos, duas crianças e muitos bichos à deriva. Para a sobrevivência de todos, os animais terão de abrir mão de seus instintos até segunda ordem.
20/04/2005
A Bíblia e George Orwell se encontram nesse desenho que foge dos padrões hollywoodianos, não só pela técnica de animação, mas também pela temática. Por isso, o simpático e interessante A Profecia dos Sapos é uma obra difícil de se vender, parado demais para as crianças, e intelectual demais para um público acostumado a ver Robôs. Talvez tivesse uma vida útil maior se fosse lançado diretamente em home entertainment.
Se a distribuidora do filme, Pandora, estiver esperando o mesmo sucesso que obteve com a também animação francesa As Bicicletas de Belleville (que ficou um ano em cartaz em São Paulo), talvez vá se decepcionar. Não que A Profecia dos Sapos seja ruim, mas é difícil imaginar esse filme despertando interesse do grande público.
Uma família nada convencional, moradora de uma fazenda, é o ponto de partida do roteiro. Tom é um garoto que perdeu os pais na guerra. Desde então, foi adotado por um velho marinheiro balofo a quem chama de Vovô, e a mulher dele, uma negra oriunda de uma colônia francesa, a quem chama de Mamãe. Quando um casal de amigos responsável pelo zoológico viaja, eles deixam a menina Lili para o casal tomar conta.
Os sapos da lagoa contam para as duas crianças que pressentem uma chuva de 40 dias e 40 noites. Graças às suas características, os anfíbios confessam que são os únicos que poderão sobreviver à inundação. Mas isso não impede o velho marinheiro de salvar os animais do zôo e, com os outros três humanos, se refugiar numa espécie de torre da fazenda, que fica à deriva durante o dilúvio e depois também, esperando pela água baixar.
Diferente dos animais da Disney, os animais desse filme também são fofinhos e falantes, mas agem e pensam mais como animais do que como humanos. A primeira grande dificuldade que os humanos vão enfrentar é impedir que os carnívoros, como o tigre e o leão, se alimentem dos outros, como as galinhas e leitões, as presas mais cobiçadas.
Alimentando a todos com batatas, o velho marujo consegue estabelecer uma sociedade igualitária entre os humanos e a bicharada – suspendendo as leis da natureza até segunda ordem. Essa utopia socialista vai bem até o aparecimento de um elemento estranho, que coloca o caos nessa ordem ao tomar o poder.
Essa fábula política – com ecos da Revolução dos Bichos, do escritor inglês George Orwell – só poderia ter sido concebida pelo cinema europeu. O filme mostra coisas que uma típica animação norte-americana jamais mostraria, como dois insetos copulando ou os genitais de um animal. Claro que nada beira a vulgaridade, e tem uma raison d’être, nesse filme francês.
Longe da histeria e perfeccionismo de filmes como Os Incríveis, essa arca de Noé contemporânea é uma animação cartunesca e artesanal, que talvez custe a encontrar o seu público, mas pode ser descoberta.
Alysson Oliveira