23/01/2004
No final dos anos 90, os Estados Unidos viveram a onda do politicamente correto, quando a escolha das palavras poderia desencadear sérios problemas. Nessa época, Bill Clinton foi obrigado a admitir ter mantido um relacionamento íntimo com a estagiária Monica Lewinsky, mas conseguiu continuar no poder, mesmo tendo virado motivo de piada em todo o mundo. No cinema, o professor universitário Coleman Silk (Anthony Hopkins) não teve a mesma sorte: viu sua carreira e sua vida pessoal virem abaixo por causa da obsessão da sociedade com o sentido que as palavras podem adquirir.
A queda de Silk começa quando chama dois alunos ausentes de 'spooks', sem se dar conta que a palavra tem duplo sentido. Para ele, significa fantasmas, espectros. Porém, 'spooks' também é uma gíria pejorativa que significa "negros". E por coincidência, uma das gazeteiras é uma afro-americana - como uma das professoras faz questão de sublinhar, esse é o termo mais politicamente correto. Silk é obrigado a se aposentar e, como desgraça pouca é bobagem, sua mulher sofre um ataque cardíaco e morre. Meses depois Silk confessa ao amigo e escritor Nathan Zuckerman (Gary Sinise) que está tendo um caso com uma mulher mais nova. Ela é Faunia Farley (Nicole Kidman), que durante a vida sofreu abusos físicos e emocionais. Ganhando a vida com uma jornada dupla, como zeladora da universidade e faxineira da agência dos correios, ela acredita que terá menos tempo para pensar em seus problemas. Um deles é o ex-marido Les Farley (um quase irreconhecível Ed Harris), atormentado veterano da Guerra do Vietnã, que persegue e inferniza a mulher, acusando-a da morte dos dois filhos. Enquanto vive seu turbulento caso amoroso, Silk relembra o passado e revela alguns segredos. Como ele perdeu seu primeiro amor, a jovem Steena Paulson (Jacinda Barret), e como após esse infortúnio foi obrigado a se reinventar. Nesse ponto o filme coloca o dedo na ferida do sonho americano. Para ser um vencedor, o jovem Coleman (vivido em cenas de flashback pelo estreante Wentworth Miller) teve de negar suas origens e passou a viver uma vida de mentiras. Ele conseguiu sucesso, porém pagou um alto preço. Em um filme sobre a necessidade que o ser humano tem de se transformar, Nicole Kidman está totalmente desglamourizada no papel de uma mulher comum. Esqueça a prótese nasal que ela usou em As Horas. Aqui ela vai além da composição física - não chega a estar feia (o que seria impossível), mas aparece bem diferente de seu visual mais habitual. Com cabelos castanhos, bem desgrenhados, roupas comuns e surradas, Nicole dá uma dimensão humana à sua personagem. Hopkins também é competente na criação de Silk, porém quando uma das tais 'revelações' do título vem à tona, é impossível não se perguntar se ele foi a escolha mais acertada para o papel. O roteiro de Nicholas Meyer (Sommersby - O Retorno de um Estranho) é baseado no premiado romance A Marca Humana do escritor norte-americano Philip Roth. O filme segue a mesma história do livro, com a diferença que Zuckerman tem praticamente a mesma idade de Silk. Porém, o roteiro não conseguiu ter o mesmo poder da obra de Roth. A força do romance está nas entrelinhas, nas digressões, o que é praticamente impossível de traduzir em imagens. Em uma das primeiras cenas, por exemplo, dois homens discutem o que Clinton deveria ter feito com Lewinsky para evitar o escândalo, um deles diz que o presidente deveria ter ameaçado toda a família da moça. No livro, o autor vai além, diz cinicamente como Clinton deveria ter feito sexo com Monica, como deveria tê-la satisfeito. Isso deixa claro que o filme é uma adaptação, até certo ponto fiel, mas sem a coragem de pôr o dedo na ferida e expô-la por completo. O diretor Robert Benton (Kramer vs. Kramer) repete a parceira com Kidman, com quem tinha trabalhado em Billy Bathgate- O Mundo a Seus Pés, o primeiro filme da atriz a chamar a atenção do grande público. Benton dá espaço para que seus atores cresçam, explorem seus personagens. Ele faz uma direção linear, convencional, mas que não atrapalha no desenrolar da história.Alysson Oliveira