
O romancista francês Georges Bernanos (1888-1948) é mais conhecido pelas adaptações literárias de suas obras. “Diário de um Pároco de Aldeia” (1951) e “Mouchette, A Virgem Possuída” (1967) – ambos de Robert Bresson – e “Sob o Sol de Satã” (1987), de Maurice Piallat, que rendeu à França uma das Palmas de Ouro mais polêmicas do Festival de Cannes. Longe das livrarias brasileiras e raros nos sebos, os livros do escritor, que morou em Barbacena (MG), ganham novas edições publicadas pela É Realizações, que pretende relançar toda a obra.
O primeiro da lista é o romance de estreia de Bernanos, “Sob o Sol de Satã” (É Realizações, 320 p, tradução Jorge de Lima, R$53), publicado em 1926. Escritor católico, ele nunca fez de sua obra panfleto de conversão religiosa, nem tampouco transformou personagens em figuras míticas (ou até místicas). Logo em seu primeiro livro acontece um embate entre um padre e o diabo.
Um padre de uma pequena aldeia duvida de sua vocação religiosa e enquanto anda por uma estrada encontra o próprio Satã. Donissan é o protagonista, um padre querido na sua região, mas que no fundo é uma figura atormentada – a primeira da coleção de Bernanos de personagens consumidos por conflitos internos.
Já no prólogo de “Sob o Sol de Satã” conhecemos Mouchette – que mais tarde será tema de outro livro. Jovem adolescente do campo que engravida de um marquês, acaba o matando e seduzindo um médico para que ele lhe faça um aborto. O corpo, tanto dessa personagem quanto de Donissan, passa por provações. Ele é adepto de práticas condenadas até por seus superiores. Acredita que, talvez, pelo sofrimento da carne possa estar mais perto do Paraíso. Donissan ganha status de um santo vivo na sua aldeia, e, graças a algumas de suas ações, essa posição só tende a ganhar força.
Os temas que serão caros à obra de Bernanos começam a ganhar contorno nesse “Sob o Sol de Satã”. O conflito espiritual entre o bem e o mal – o divino e o mundano – são capazes de guia o destino dos homens. Quando os caminhos de Donissan e Mouchette se cruzam, é que o escritor traz para suas páginas um grande embate. Tão grande, que Piallat, em seu filme, parece não ter conseguido o captar muito bem.